A Polícia Federal trabalha para concluir no início do
próximo ano os inquéritos das fake news e das milícias digitais, que miram os
núcleos político e econômico do bolsonarismo, informa o colunista Aguirre
Talento, do portal UOL.
A avaliação dos investigadores é que já há elementos
suficientes para indiciar o ex-presidente Jair Bolsonaro por delitos cometidos
ao longo dos últimos quatro anos, mas os tipos desses crimes só serão definidos
com a finalização em conjunto de todas as linhas de investigação envolvendo o
ex-presidente.
O indiciamento é um ato no qual a autoridade policial imputa
a prática de um crime a um investigado. Depois disso, o caso será enviado ao procurador-geral
da República, Paulo Gonet, para análise sobre a eventual apresentação de uma
denúncia contra Bolsonaro e seus aliados.
A expectativa dos investigadores é que, com a saída de
Augusto Aras do comando da PGR (Procuradoria-Geral da República), Gonet deve
dar prosseguimento às investigações e apresentar denúncias contra o
ex-presidente após a entrega do material produzido pela Polícia Federal.
Somente após o recebimento de uma denúncia pelo Judiciário é que Bolsonaro se
tornaria réu nesses casos.
O ex-presidente já foi condenado na esfera eleitoral à
inelegibilidade pelo prazo de oito anos, o que o impede de participar da
próxima eleição presidencial. Essas investigações da PF são na esfera criminal.
Caso ele seja alvo de uma condenação criminal, a depender do nível da sua pena,
Bolsonaro poderia até mesmo ser preso.
O entendimento da PF é que os fatos sob investigação
envolvendo Jair Bolsonaro estão interligados e, por isso, devem ser concluídos
em conjunto. Os investigadores ainda finalizam a análise de materiais
apreendidos, como telefones celulares, e as apurações envolvendo a delação
premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência da
República que revelou a atuação de Bolsonaro em um plano golpista contra o
resultado das eleições do ano passado.
Essa tentativa de realização de um golpe de Estado, de
acordo com os inquéritos em andamento, tem conexão com a atuação das milícias
digitais que atacaram as instituições democráticas nos últimos quatro anos e
outros fatos.
Os inquéritos das fake news e das milícias digitais abrangem
diversas frentes de apuração, como o desvio de joias para venda no exterior e
as fraudes nos certificados de vacina. Os investigadores identificam uma
conexão entre o cometimento desses delitos e a organização criminosa montada
para realizar ataques às instituições democráticas. Para a PF, as milícias
digitais também abriram caminho à obtenção de vantagens indevidas do Estado
brasileiro pelo grupo do ex-presidente.
Apenas ao fim desse conjunto de investigações é que a PF irá
definir quais crimes estão caracterizados. Havia uma expectativa de finalizar
essas apurações até o fim do ano, mas o grande volume de provas sob análise
atrasou o andamento do caso.
Pelos fatos analisados até agora, há suspeita de delitos
como organização criminosa, peculato (desvios de recursos públicos) e atos
contra o Estado Democrático de Direito.
Cinco eixos de apuração
O inquérito das milícias digitais teve início após o
arquivamento do inquérito dos atos antidemocráticos. Nessa investigação, a PF
passou a se aprofundar na existência de grupos estruturados em redes sociais
para atacar as instituições democráticas.
Com o tempo, a PF identificou cinco eixos principais de
investigação: ataques virtuais a opositores; ataques às urnas eletrônicas e às
instituições do Judiciário; tentativas de golpe de Estado e abolição violenta
do Estado Democrático de Direito; disseminação de notícias falsas sobre a
covid-19; e, por último, o uso da estrutura do Estado para obtenção de
vantagens indevidas.
O desenvolvimento da apuração até o momento aponta uma
conexão entre esses crimes e as milícias digitais. Isso inclui, por exemplo, a
inserção de dados falsos de vacinas contra a covid-19 nos sistemas do
Ministério da Saúde e o desvio de joias dadas de presente ao Estado brasileiro
para a venda no exterior e obtenção de vantagens patrimoniais.
A PF, agora, busca finalizar as diligências sobre esses
temas para identificar quais condutas criminosas serão imputadas a Jair
Bolsonaro. Essa apuração inclui a análise das quebras de sigilo bancário, de
informações de cooperação internacional com os Estados Unidos e o conteúdo de
celulares apreendidos.
Delação impulsionou investigação
Um personagem-chave do bolsonarismo foi essencial para o
aprofundamento das investigações: o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de
ordens de Jair Bolsonaro.
Preso no mês de maio, Mauro Cid fez um acordo de delação
premiada com a PF, homologado em setembro pelo ministro do STF (Supremo
Tribunal Federal) Alexandre de Moraes.
Cid deu detalhes aos investigadores sobre tratativas para a
realização de um golpe de Estado mantidas por Bolsonaro após sua derrota nas
eleições do ano passado. Também revelou que a então primeira-dama Michelle e um
dos filhos do ex-presidente, o deputado federal Eduardo (PL-SP), atuavam como
incitadores de um possível golpe.
Essas informações foram essenciais para que a investigação
avançasse na participação de Jair Bolsonaro em atos contra o Estado Democrático
de Direito.
Outro lado
Jair Bolsonaro e sua defesa têm negado a participação em
tentativas golpistas ou outros crimes.
Quando as declarações de Mauro Cid vieram a público, a
defesa afirmou que o ex-presidente “jamais compactuou com qualquer movimento ou
projeto que não tivesse respaldo em lei, ou seja, sempre jogou dentro das
quatro linhas da Constituição Federal”.
Bolsonaro também já negou relação com os certificados falsos
de vacina e o esquema de venda das joias.
Sobre a inelegibilidade, o presidente do PL, Valdemar Costa
Neto, já disse publicamente que Bolsonaro foi “perseguido” pelo Tribunal
Superior Eleitoral. “Foi perseguido pelo TSE, foi injustiçado. Ele jamais podia
ficar inelegível”, afirmou, em uma entrevista à “Folha de S.Paulo”.
Procurada, a defesa de Jair Bolsonaro ainda não se
manifestou.
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