quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

Operação contra Cláudio Castro (governador do estado do Rio de Janeiro) reproduz os métodos da Lava Jato

A operação realizada pela Polícia Federal contra o irmão do governador Cláudio Castro e dois outros assessores parece eivada de incongruências, a começar pelo lapso temporal entre a denúncia em 2019 e a efetiva busca de elementos comprobatórios.

Não é crível que se tenha tentado de fato obter provas tanto tempo depois. Quem arquivaria documentos comprometedores por período tão longo na própria residência? A hipótese é absolutamente improvável.

Afastada a possibilidade de cumprir objetivos factíveis, resta a dúvida de que a operação tenha sido realizada mais pelos efeitos políticos colaterais do que exatamente pela extração de elementos para fundamentar a ação. Uma operação desta natureza, com os nomes de seus alvos vazados para a imprensa desde as primeiras horas da manhã, acaba por funcionar apenas como instrumento de execração pública dos envolvidos, no caso, especialmente, o governador Cláudio Castro.

Há outros fatos a fragilizar a seriedade da tardia busca e apreensão. O Ministério Público Federal e Polícia Federal se fundamentaram exclusivamente na delação premiada de um réu confesso. Neste ponto, a operação faz lembrar a finada Lava Jato –  época em que as delações substituíram as provas num festival de arbítrios que macularam a imagem do Poder Judiciário. Triste memória da vida nacional. Utilizou-se vergonhosamente a justiça como instrumento político em condenável lawfare contra os oponentes.

Se não há elementos objetivos a justifica-la, a busca e apreensão subverte a lógica do princípio investigatório, resvalando para o condenável método de  fishing expedition, pescaria probatória em tradução livre. Neste caso, lança-se a rede ao mar de modo aleatório, sem a mínima avaliação da probabilidade de êxito.

Em pescaria, o método já seria falho; há outras técnicas mais assertivas. No direito, o erro crasso tem efeitos perversos. Usam-se as brechas do exercício de poder para subverter a  lógica das garantias constitucionais. Para além dos limites legais, vasculha-se a intimidade, a vida privada, violando direitos fundamentais. O caso novamente se aproxima dos métodos utilizados por Moro, Bretas e Deltan – os três mosqueteiros da barbárie judicial da história recente do País.

Os métodos de atuação da Policia Federal também não se alteraram, repetem a truculência de antes. A escolha do nome da operação – Sétimo Mandamento – é um notório exemplo de que a corporação continua a atuar sem a isenção necessária. Há nesta peça de marketing uma condenação prévia implícita  incompatível com os objetivos centrais da operação. Se a investigação está em curso, como aludir ao” não roubarás”. A menos que se queira difundir o prejulgamento de modo intencional com objetivos políticos.

A redação do release exibido no site da Polícia Federal é outra aberração. Trata os temas que são objetos da investigação como verdades absolutas. São afirmativos na imputação de crimes, sem a cautela própria do processo investigatório. Em resumo, o texto é mais um libelo acusatório do que exatamente o anúncio objetivo da operação investigatória. A corporação parece não ter assimilado a necessidade de se adaptar ao estado democrático de direito.

Na posse do novo Procurador-Geral, Paulo Gonet, o presidente Lula fez um discurso extremamente importante na medida em que demarcou a expectativa da sociedade brasileira em relação à atuação livre e democrática do Ministério Público.

“ Não permita que nenhuma denúncia seja publicizada antes de se saber se é verdade, porque senão as pessoas serão condenadas previamente. Muitas vezes se destroem as pessoas sem dar a elas a chance de se defender. E, quando são provadas inocentes, essas pessoas não são reconhecidas publicamente. Então, é importante que o MP recupere aquilo que foi razão pela qual os constituintes enalteceram o MP: garantir a liberdade, a democracia e a verdade”.

A julgar pela operação da última quarta-feira, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal ainda não assimilaram a essência dos novos tempos. Continuam como antes: impermeáveis à democratização de suas práticas. Como enfatizou Lula, há como ser duro e justo a um só tempo. A democracia exige esse permanente equilíbrio das instituições.



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